Da edição Companhia das Letras (1995: 46)
A verdade é que a grande lavoura, conforme se praticou e ainda se pratica no Brasil, participa, por sua natureza perdulária, quase tanto da mineração quanto da agricultura. Sem braço escravo e terra farta, terra para gastar e arruinar, não para proteger ciosamente, ela seria irrealizável. O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na índia com as especiarias e os metais preciosos. Os lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e fabricar o açúcar para mercados europeus, compensavam abundantemente esse esforço — efetuado, de resto, com as mãos e os pés dos negros —, mas era preciso que fosse muito simplificado, restringindo-se ao estrito necessário às diferentes operações. Não foi, por conseguinte, uma civilização tipicamente agrícola o que instauraram os portugueses no Brasil com a lavoura açucareira. Não o foi, em primeiro lugar, porque a tanto não conduzia o gênio aventureiro que os trouxe à América; em seguida, por causa da escassez da população do reino, que permitisse emigração em larga escala de trabalhadores rurais, e finalmente pela circunstância de a atividade agrícola não ocupar então, em Portugal, posição de primeira grandeza. No mesmo ano de 1535, em que Duarte Coelho desembarcava em sua donataria pernambucana, o humanista Clenardo, escrevendo de Lisboa a seu amigo Latônio, dava notícia das miserá veis condições em que jaziam no país as lides do campo: “ Se em algum lugar a agricultura foi tida em desprezo” , dizia, “é incontestavelmente em Portugal. E antes de mais nada, ficai sabendo que o que faz o nervo principal de uma nação é aqui de uma debilidade extrema; para mais, se há algum povo dado à preguiça sem ser o português, então não sei onde ele exista. Falo sobretudo de nós outros que habitamos além do Tejo e que respiramos de mais perto o ar da África” . E algum tempo mais tarde, respondendo às críticas dirigidas por Sebastião Münster aos habitantes da península hispânica, Damião de Góis admitia que o labor agrícola era menos atraente para seus compatriotas do que as aventuras marítimas e as glórias da guerra e da conquista.
Da edição Companhia das Letras (1995: 49-50)
Nenhum comentário:
Postar um comentário