Água do meu Tietê,
Onde me queres levar?
— Rio que entras pela terra
E que me afastas do mar...
É noite. E tudo é noite. Debaixo
do arco admirável
Da Ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água
pesada e oleosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda
de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite
tão vasta
O peito do rio, que é como se a
noite fosse água,
Água noturna, noite líquida,
afogando de apreensões
As altas torres do meu coração
exausto. De repente
O óleo das águas recolhe em cheio
luzes trêmulas,
É um susto. E num momento o rio
Esplende em luzes inumeráveis,
lares, palácios e ruas,
Ruas, ruas, por onde os
dinossauros caxingam
Agora, arranha-céus valentes
donde saltam
Os bichos blau e os punidores
gatos verdes,
Em cânticos, em prazeres, em
trabalhos e fábricas,
Luzes e glória. É a cidade... É a
emaranhada forma
Humana corrupta da vida que muge
e se aplaude.
E se aclama e se falsifica e se
esconde. E deslumbra.
Mas é um momento só. Logo o rio
escurece de novo,
Está negro. As águas oleosas e
pesadas se aplacam
Num gemido. Flor. Tristeza que
timbra um caminho de morte.
É noite. E tudo é noite. E o meu
coração devastado
É um rumor de germes insalubres
pela noite insone e humana.
“Lira Paulistana” (1945)
(trecho do longo poema concluído em fevereiro de 1945)
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