quinta-feira, 31 de março de 2016

Reflexão sobre a política no Brasil 100 anos atrás...

No surto da pasmosa transformação na sua política, a nossa cara Patria - do Brazil Imperio ao Brazil Republica, e com a autonomia das provincias, que tomaram o nome pomposo de Estados, parecia que novas forças se conjugariam para a formação de um paiz atrophiado em um novo Estado prospero e feliz, de novos ideaes civilisadores, de mais moralisadoras administrações, de mais difundida instrucção e de maior liberdade, igualdade e justiça, implantados pelo novo regimen, e que satisfizessem ás mais justas e ardentes aspirações dos brazileiros, para orgulho seu, no predominio do continente.

Até hoje, infelizmcnte, não se acham realisados esses sonhos dos transformadores, após um quarto de seculo de vida republicana!

Ainda mesmo que tivessemos as distancias encurtadas, as barreiras transpostas, o commercio ampliado, as sciencias cultivadas, a agricultura florescente, as artes exercitadas, a liberdade sem limites, serão esses, por acaso, os unicos elementos que constituem a moralidade e a civilisação da Santa Patria da fraternidade, do direito e da — ordem e pogresso — que nos lembra o lemma da bandeira da Republica?

Penso que, para conseguir-se esse progresso, moralidade e civilisação, para chegar-se, emfim a essa gloria, seria necessario promover-se a verdadeira felicidade do povo, que consistirá:—em não nos vermos separados da cordura e honestidade dos governos, da moralidade e patriotismo dos cidadãos, do amor fraternal do pôvo e todos, unidos em santa concordia, bemdizermnos os sonhos realisados dos transformadores.

Esse é que seria o progresso e civilisação da Republica.

Se progresso quer dizer marchar para frente, se irá adiante quando os governos, que dirigem os destinos da nação, se informem do desejo de prosperidade dos governados e não façam da faixa do poder o instrumento de despotismo e tirania e não a convertam em vara magica para improvisar fortunas, com prejuiso do thesouro publico;

Se irá adiante, quando, na escolha de seus funccionarios, não sejam admittidos serem degenerados, cujo unico merito é a condescendencia servil a desejos e caprichos dos governos, senão somente aos que por suas virtudes tenham merecido subir áquelia dignidade, que os faz apreciaveis a seus subalternos e merecedores dos empregos que occupam;

Se irá adiante quando, os homens de valor […]cooperem poderosamente para que sejam elevados ao poder somente os verdadeiros servidores do paiz;

Se irá adiante quando, os cidadãos, que com os seus votos tenham de designar o homem que deva ser revestido da suprema dignidade, ou, da representação da Republica, pesem desinteressadamente os meritos das pessoas mais eminentes, que tenham conquistado o apreço commum com virtudes e obras não mentidas, e repillam os que procuram traficar com os sagrados direitos dos cidadãos, para comprar lhes as consciencias, para envilecer-lhes os sentimentos, reduzindo os á condição de sêres inferiores. […]

Sem isso, os nomes pomposos de – ordem o progresso – são um sarcasmo lançado em rosto de pòvos imbecis; são uma ironia inscripta no symbolo da Patria […].

Para não falsear o nosso lemma, inscripto na bandeira do maior paiz sob o Cruzeiro do Sul, procuremos não imitar algumas republicas da America, cuja historia de um seculo de revoluções, de guerras fratricidas, de horrores e barbarismos tanto teem escandalisado […].

Dentre os conceitos que, durante as minhas viagens ao estrangeiro, ouvia sempre externar sobre os paizes da America do Sul, um d’elles ainda bem gravado conservo de memoria— «Que estes paizes eram republicanos democraticos, porém, na realidade, a sua historia não tem sido outra cousa senão uma anarchia continuada. Nenhuma constituição, nenhuma carta fundamental, nenhum systema conseguia funccionar durante dez annos seguidos sem que os descontentes julgassem necessario derribar os governos para se apossarem do poder e se locupletarem dos dinheiros publicos».
Seria, pois, retroceder, imitar o progresso de nações do nosso continente […], onde os presidentes levantam o seu prestigio sobre os cadaveres de milhares de cidadãos, e nelle se firmam continuadamente pela espada de Damocles; […]

Seria retroceder, imitar essas republicas onde o direito se manifesta pelo sacrificio das leis e constituições á vista dos cidadãos;

Seria, ainda, retroceder, imitar nações onde a fraternidade entre povos se patenteia pela frequencia espantosa de conflictos armados de irmãos contra irmãos, para procurarem nas guerras fratricidas a solução ordinaria das mais vitaes questões da Patria! […]

Dando por findo este meu discurso de admissão, a que fui obrigado pelos estatutos desta casa, cabe-me implorar o vosso perdão e pedir benevolencias pelo abuso e liberdade, que usei, de honrar o acto de minha posse com as considerações expendidas sobre o progresso e civilisação da nossa cara Patria, em um dia, como hoje, que se commemora a promulgação da Constituição da Republica. Essas considerações desalinhadas, sem valor algum litterario, sem methodo e informes, foram escriptas sob a impressão afflictiva que tem produzido em meu espirito a inconsciencia, na administração do nosso paiz, do rumo perigoso que tem seguido a Republica. […]

Que não nos recriminem os falsos republicanos, que atiraram o paiz ao descredito, á bancarrota e a quasi miseria, com a accusação de querermos desmoralisar a Republica para matal-a.

CAIO PINHEIRO DE VASCONCELLOS,

DISCURSO DE ADMISSÃO NO IGHB, 1915.

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