No surto da pasmosa
transformação na sua política, a nossa cara Patria - do Brazil Imperio ao Brazil
Republica, e com a autonomia das provincias, que tomaram o nome pomposo de
Estados, parecia que novas forças se conjugariam para a formação de um paiz
atrophiado em um novo Estado prospero e feliz, de novos ideaes civilisadores,
de mais moralisadoras administrações, de mais difundida instrucção e de maior
liberdade, igualdade e justiça, implantados pelo novo regimen, e que
satisfizessem ás mais justas e ardentes aspirações dos brazileiros, para
orgulho seu, no predominio do continente.
Até hoje,
infelizmcnte, não se acham realisados esses sonhos dos transformadores, após um
quarto de seculo de vida republicana!
Ainda mesmo que
tivessemos as distancias encurtadas, as barreiras transpostas, o commercio
ampliado, as sciencias cultivadas, a agricultura florescente, as artes
exercitadas, a liberdade sem limites, serão esses, por acaso, os unicos
elementos que constituem a moralidade e a civilisação da Santa Patria da
fraternidade, do direito e da — ordem e pogresso — que nos lembra o lemma da
bandeira da Republica?
Penso que, para
conseguir-se esse progresso, moralidade e civilisação, para chegar-se, emfim a
essa gloria, seria necessario promover-se a verdadeira felicidade do povo, que
consistirá:—em não nos vermos separados da cordura e honestidade dos governos,
da moralidade e patriotismo dos cidadãos, do amor fraternal do pôvo e todos,
unidos em santa concordia, bemdizermnos os sonhos realisados dos
transformadores.
Esse é que seria o
progresso e civilisação da Republica.
Se progresso quer
dizer marchar para frente, se irá adiante quando os governos, que dirigem os
destinos da nação, se informem do desejo de prosperidade dos governados e não
façam da faixa do poder o instrumento de despotismo e tirania e não a convertam
em vara magica para improvisar fortunas, com prejuiso do thesouro publico;
Se irá adiante,
quando, na escolha de seus funccionarios, não sejam admittidos serem
degenerados, cujo unico merito é a condescendencia servil a desejos e caprichos
dos governos, senão somente aos que por suas virtudes tenham merecido subir
áquelia dignidade, que os faz apreciaveis a seus subalternos e merecedores dos
empregos que occupam;
Se irá adiante quando,
os homens de valor […]cooperem poderosamente para que sejam elevados ao poder
somente os verdadeiros servidores do paiz;
Se irá adiante quando,
os cidadãos, que com os seus votos tenham de designar o homem que deva ser
revestido da suprema dignidade, ou, da representação da Republica, pesem
desinteressadamente os meritos das pessoas mais eminentes, que tenham
conquistado o apreço commum com virtudes e obras não mentidas, e repillam os
que procuram traficar com os sagrados direitos dos cidadãos, para comprar lhes
as consciencias, para envilecer-lhes os sentimentos, reduzindo os á condição de
sêres inferiores. […]
Sem isso, os nomes
pomposos de – ordem o progresso – são um sarcasmo lançado em rosto de pòvos
imbecis; são uma ironia inscripta no symbolo da Patria […].
Para não falsear o
nosso lemma, inscripto na bandeira do maior paiz sob o Cruzeiro do Sul,
procuremos não imitar algumas republicas da America, cuja historia de um seculo
de revoluções, de guerras fratricidas, de horrores e barbarismos tanto teem
escandalisado […].
Dentre os conceitos
que, durante as minhas viagens ao estrangeiro, ouvia sempre externar sobre os
paizes da America do Sul, um d’elles ainda bem gravado conservo de memoria—
«Que estes paizes eram republicanos democraticos, porém, na realidade, a sua
historia não tem sido outra cousa senão uma anarchia continuada. Nenhuma
constituição, nenhuma carta fundamental, nenhum systema conseguia funccionar
durante dez annos seguidos sem que os descontentes julgassem necessario
derribar os governos para se apossarem do poder e se locupletarem dos dinheiros
publicos».
Seria, pois,
retroceder, imitar o progresso de nações do nosso continente […], onde os
presidentes levantam o seu prestigio sobre os cadaveres de milhares de
cidadãos, e nelle se firmam continuadamente pela espada de Damocles; […]
Seria retroceder,
imitar essas republicas onde o direito se manifesta pelo sacrificio das leis e
constituições á vista dos cidadãos;
Seria, ainda,
retroceder, imitar nações onde a fraternidade entre povos se patenteia pela
frequencia espantosa de conflictos armados de irmãos contra irmãos, para
procurarem nas guerras fratricidas a solução ordinaria das mais vitaes questões
da Patria! […]
Dando por findo este
meu discurso de admissão, a que fui obrigado pelos estatutos desta casa,
cabe-me implorar o vosso perdão e pedir benevolencias pelo abuso e liberdade,
que usei, de honrar o acto de minha posse com as considerações expendidas sobre
o progresso e civilisação da nossa cara Patria, em um dia, como hoje, que se
commemora a promulgação da Constituição da Republica. Essas considerações
desalinhadas, sem valor algum litterario, sem methodo e informes, foram
escriptas sob a impressão afflictiva que tem produzido em meu espirito a
inconsciencia, na administração do nosso paiz, do rumo perigoso que tem seguido
a Republica. […]
Que não nos recriminem
os falsos republicanos, que atiraram o paiz ao descredito, á bancarrota e a
quasi miseria, com a accusação de querermos desmoralisar a Republica para
matal-a.
CAIO PINHEIRO DE VASCONCELLOS,
DISCURSO DE ADMISSÃO NO IGHB, 1915.
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