quarta-feira, 6 de abril de 2016

A bela descrição da natureza do Brasil feita por Paulo Prado em 1926...

No Brasil, a mata cobria as terras moles da bacia amazônica, e a partir da barra do S. Francisco, depois das dunas e mangues do Nordeste, seguia o litoral até muito além do Capricórnio, para terminar nas praias baixas do Rio Grande...

Na zona equatorial do Brasil, o clima constantemente úmido e quente desenvolve uma força e violência de vegetação incomparável. É a Hiléia amazônica, cobrindo de arvoredo a maior extensão de 21 terras do universo, mais de 3 milhões de quilômetros quadrados. Nela, os sentidos imperfeitos do homem mal podem apanhar e fixar a desordem de galhos, folhagens, frutos e flores, que o envolvem e submergem. Da confusão sobressaem os troncos da seringueira, da sapucaia, do pau d’arco, da massaranduba — a árvore do leite, — do bacori, pelos quais às vezes sobe o caule flexível da jassitara, palmeira enrediça, à procura da claridade do céu. A vegetação eleva-se por andares, atingindo 40 a 60 metros de altura, enlaçando-se aos troncos os cipós e parasitas, em luta pela vida, como num espaço demasiadamente povoado. Pela costa do Atlântico a mata, aproveitando o acidentado do solo e a umidade condensadora dos ventos gerais de sueste, excede em beleza e pujança a própria floresta equatorial. É o mesmo emaranhado hostil de lianas, trepadeiras e orquídeas, mas na submata as urticáceas, espinhos, samambaias tolhem ainda mais o andar do homem, que só vence a vegetação a golpes de facão. As madeiras preciosas, pelo refinado da qualidade e pela multiplicação das espécies, são superiores às da Hiléia: assim os Jacarandas, por exemplo, se desdobram numa variedade infindável — o jacarandá-preto, jacarandá-rosa, jacarandá-roxo, jacarandá-deespinho, jacarandá-tan, Jacaranda-violeta, jacarandá- mocó, jacarandá-banana. É a mata do pau-brasil que deu o nome à terra, e do seu maciço verde-escuro alça-se a galhada do jequitibá, igual à dos veados, acima dos finos palmitos e das embaúbas de prata. O chão é um tapete de flores caídas, de todos os tons, desde o amarelo-escuro, do vermelho-rubro, da cor--derosa, até o lilás, o azul-celeste e o branco alvíssimo. Variando com as estações, ponteiam a tapeçaria de verdura o roxo da flor-da-quaresma ou o ouro vivo do ipê. Pela encosta acima, a floresta avança para o interior, numa faixa superior a 200 ou 300 quilômetros, como no rio Doce, onde vai alcançar o segundo planalto, já na serra do Espinhaço.

Habita o vastíssimo território a mais variada fauna, tão extensa como a própria flora. Representam-na como tipos característicos as 19 espécies de Edentados: tatus, preguiças e tamanduás. Pássaros, das mais vistosas plumagens — com as suas 72 espécies de papagaios, beija-flores e bandos de borboletas, acordam e animam araras, periquitos e maitacas, — com os seus tucanos, o silêncio da mata feito de mil ruídos de insetos. Nos primeiros tempos, cardumes de baleias freqüentavam a miúdo as praias e recôncavos da costa: das janelas do Colégio da Bahia os primeiros jesuítas as avistavam “saltando tantas e tão grandes, que era para ver”.

Mais para dentro, além da antecámara suntuosa da floresta, se estendia a vastidão da terra desconhecida — caatingas, catanduvas, cerrados, cerradões, carrascos, campos-gerais, pantanais, — donde desciam ou se afundavam pelos sertões os largos rios, cheios de promessas misteriosas, convergindo nas três grandes bacias do Amazonas, do Prata, e na do Oceano Atlântico em que avultam o Parnaíba e o S. Francisco. Por esse interior, em Minas, Goiás, Mato-Grosso, S. Paulo e todo o Sul, recomeçava a mata, aproveitando os 23 grandes acidentes de relevo, o paredão do planalto, a umidade das cabeceiras, as condensações freqüentes. 

In: PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: Ensaio sobre a tristeza do Brasil. Carlos Augusto Calil (Org.). 9ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 58, 59-61.

Floresta Brasileira - Martin Johnson Heade, 1863.

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