quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Entradas e Bandeiras

Teve, não há dúvida, caráter de majestosa epopeia a expansão bandeirista.

A princípio eram entradas, penetrando o sertão para os “descimentos” de índios escravizados, “trazendo-os ao mar”, fosse por meio de ardis ou jeito, fosse pela violência. Depois, as bandeiras, expedições mais organizadas, à procura de “el-dorados” no interior desconhecido.

Dir-se-á que umas e outras não tiveram legitimidade, pois que a terra era por direito natural dos autóctones e teriam sido os bandeirantes uns usurpadores. Mas o fenômeno resultava do imperativo da civilização ocidental, por ventura agindo cruel e desumanamente ao querer esculpir nas regiões daquém oceano o modelo dos seus métodos de progresso, das suas idéias morais, das suas crenças, da sua cultura mental.

Saindo do primeiro centro de irradiação, que foi São Paulo, derramaram-se aos quatro ventos, tangidas por muitas causas que os historiadores e sociólogos teimam em descobrir e indicar.

Aventureiros teriam sido, sem os quais se não faria, certamente, a obra da conquista, escrevendo – como diz Rocha Pombo – “na história da América um ciclo admirável, que não teve símile em ponto algum outro do Continente. A ânsia pelo conhecer o misterioso das matas, a arbição de riqueza, as contingências tê-los-iam abalado a tanto.

Por certo no começo o foi. Porém mais tarde, como acentuou Oliveira Viana, sente-se que o que esse fenômeno os seduz são os seus traços épicos e não as suas causas íntimas.” É a organização social mesma, formada em São Vicente, que o gera: o grande domínio rural – o chefe ou senhor, os agregados, a tropa aguerrida dos mamelucos, o capelão quase indefectível – desloca-se como que por cissiparidade em fragmentos que encerram em si os elementos do núcleo original. “ou seja para explorar os vieiros auríferos de Sabará; ou seja para povoar de gado os campos do vale de S. Francisco, ou os altos platôs do Iguassu, ou as planícies do Rio Grande, a bandeira é um fragmento do latifúndio”. (1)

            (1)  – Populações Meridionais, 2ª ed. 1922, p. 80.


Como S. Paulo, foram grandes centros irradiadores Pernambuco e Bahia, embora aqui o expansionismo tivesse outras razões, quase todas em torno do sentido pecuário e nascidas das condições especiais do Nordeste, de que o rio S. Francisco era o dominador comum.

Raimundo Girão, 1950.

Fonte: GIRÃO, Raimundo. Bandeirismo Bahiano e Povoamento do Ceará. Revista do Instituto Genealógico da Bahia. Ano 5, n. 5, Imprensa Oficial, 1950, p. 71-81 (trecho às p. 71-72). 

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