Teve, não há dúvida, caráter de majestosa epopeia a expansão
bandeirista.
A princípio eram entradas, penetrando o sertão para os “descimentos”
de índios escravizados, “trazendo-os ao mar”, fosse por meio de ardis ou jeito,
fosse pela violência. Depois, as bandeiras, expedições mais organizadas, à
procura de “el-dorados” no interior desconhecido.
Dir-se-á que umas e outras não tiveram legitimidade, pois
que a terra era por direito natural dos autóctones e teriam sido os
bandeirantes uns usurpadores. Mas o fenômeno resultava do imperativo da
civilização ocidental, por ventura agindo cruel e desumanamente ao querer
esculpir nas regiões daquém oceano o modelo dos seus métodos de progresso, das
suas idéias morais, das suas crenças, da sua cultura mental.
Saindo do primeiro centro de irradiação, que foi São Paulo,
derramaram-se aos quatro ventos, tangidas por muitas causas que os
historiadores e sociólogos teimam em descobrir e indicar.
Aventureiros teriam sido, sem os quais se não faria,
certamente, a obra da conquista, escrevendo – como diz Rocha Pombo – “na
história da América um ciclo admirável, que não teve símile em ponto algum
outro do Continente. A ânsia pelo conhecer o misterioso das matas, a arbição de
riqueza, as contingências tê-los-iam abalado a tanto.
Por certo no começo o foi. Porém mais tarde, como acentuou
Oliveira Viana, sente-se que o que esse fenômeno os seduz são os seus traços
épicos e não as suas causas íntimas.” É a organização social mesma, formada em
São Vicente, que o gera: o grande domínio rural – o chefe ou senhor, os
agregados, a tropa aguerrida dos mamelucos, o capelão quase indefectível –
desloca-se como que por cissiparidade em fragmentos que encerram em si os
elementos do núcleo original. “ou seja para explorar os vieiros auríferos de
Sabará; ou seja para povoar de gado os campos do vale de S. Francisco, ou os altos
platôs do Iguassu, ou as planícies do Rio Grande, a bandeira é um fragmento do
latifúndio”. (1)
(1) – Populações Meridionais, 2ª ed.
1922, p. 80.
Como S. Paulo, foram grandes centros irradiadores Pernambuco
e Bahia, embora aqui o expansionismo tivesse outras razões, quase todas em
torno do sentido pecuário e nascidas das condições especiais do Nordeste, de
que o rio S. Francisco era o dominador comum.
Raimundo Girão, 1950.
Fonte: GIRÃO, Raimundo. Bandeirismo Bahiano e Povoamento do Ceará. Revista do Instituto Genealógico da Bahia. Ano 5, n. 5, Imprensa Oficial, 1950, p. 71-81 (trecho às p. 71-72).
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