No Brasil, a ocupação
do território foi feita por pedestres, pouco a pouco, passo a passo, tanto no
litoral quanto no sertão. Foram esses pedestres que formaram os primeiros
núcleos urbanos.
Às vésperas da
instalação do Governo Geral, em l548, existiam em todo o território, l6 vilas e
povoados. Um século depois, em l650, contavam-se 37 povoações, entre vilas e
cidades. Apenas trës desses núcleos nasceram cidades: Salvador (l549), Rio de
Janeiro (1565) e Filipéia de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa (1584).
[...]
Visando viabilizar a
politica de povoamento e urbanização, Cartas Régias e Instruções foram enviadas
a todas as regiões do Brasil, para que as autoridades locais promovessem a
criação de povoações e erigissem estas, e as aldeias indígenas, em vilas. […] A
Carta de 26 de janeiro de 1765, do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios
do Reino, Conde de Oeiras (futuro Marquês de Pombal), Sebastião Jose de Carvalho
e Melo, dirigida ao Vice-Rei do Estado do Brasil, Conde da Cunha, mandava os
artigos das Instruções para que se fundassem novas vilas, tanto nas aldeias dos
índios, quanto em outros lugares que fossem tidos como próprios para essas fundações. [...]
Para cumprir o projeto português foram enviados representantes do governo luso.
[...]
A fundação de
povoações elou vilas pretendia reunir os habitantes para que os mesmos se
agregassem e não morassem somente em sítios dispersos. [...] ordenavam que
todos os lavradores construíssem casas nos centros urbanos para, pelo menos de
tempos em tempos, reunirem-se em “sociedade civil”. […]
As autoridades
pretendiam, além do mais, povoar o território para "adiantar a cultura e
lavoura dos campos que ficam místico às povoações” para produzir o suficiente
para o abastecimento local e um excedente para exportação. Na verdade, Portugal
estava bastante preocupado com a perda dos territórios para os espanhóis, em
especial nas regiões que, até a sua expulsão, estavam sob o domínio dos
jesuítas. Todas as providências tomadas foram no sentido de reaver os
territórios, fixar o homem e defendê-los. Não se descuidou também do litoral.
D. Jose ordenava que se estabelecessem povoações civis de índios livres que,
assim, deixariam de ser inimigos dos portugueses e dos espanhóis e não
assaltariam os caminhos, as cidades, vilas e aldeias das duas nações. [...]
A empresa não era
simples e fácil e as próprias autoridades davam conta das principais
dificuldades. […] Os negros eram, então, em número reduzidíssimo, quase
insignificante. Entre as dificuldades apontadas pelos Capitães-Generais e
Ouvidores, encontramos: falta de gente e estágio de "civilização" dos
índios, tipos de recrutados para os povoamentos, dificuldade de recrutamento de
habitantes e fixação de degredados, falta de assistência espiritual e má
qualidade dos religiosos, falta de mão-de-obra especializada para os serviços
públicos. Ainda: falta de oficiais da câmara e mecânicos, dinheiro,
instrumentos de trabalho, material construtivo de maior durabilidade;
ignorância e pobreza dos povoadores, dificuldades administrativas, jurídicas e,
jurisdicionais, corrupção e boatos, condições locais adversas e diversas,
especialmente falta de infra-estrutura urbana e mesmo para sobrevivência. […]
Civilizar os índios
significava faze-los vestirem-se, ter uma vida espiritual e temporal igual a
dos brancos, bem como "ajudar os mesmos na agricultura e no comércio”.
Isto vale dizer impor os valores dos brancos: vida sedentária, moral, ambição,
acumulo de bens, vida unifamiliar, etc. [...]
Os métodos de
recrutamento de pessoas para povoar as novas regiões eram diversos. Iam desde a
conquista do índio até o indulto a criminosos que se refugiavam na Capitania.
Fixar o homem - índio ou português - ao solo e conseguir novos povoadores,
constituía uma das dificuldades mais serias e constantes. […] Àqueles que se dispunham
povoar uma região prometia-se premiações. […]
As pessoas
arregimentadas nem sempre eram voluntárias. Umas não queriam mudar-se, outras
faziam muitas exigências, escondiam-se ou até choravam. A maior parte era
composta por miseráveis […], criminosos de pequenos delitos "na esperança
de viverem ali sossegados, devedores falidos afim de obterem huma moratória por
certo numero de anos. […] As vilas recem-criadas eram formadas por índios,
vadios e criminosos. Previa-se que as "pessoas revoltosas, e de mal
viver" deviam ser expulsas para não perverter a boa educação e harmonia
dos povoadores. Mas na maioria dos casos era justamente para essas novas
povoações que se mandavam os indivíduos de má conduta. Para elas eram enviadas
as prostitutas, mulheres adulteras cujos maridos não as queriam de volta, bem
como todo tipo de criminosos. Não era difícil arregimentar-se povoadores
"à força", principalmente entre vadios, possuidores de sítios
volantes e criminosos. Estes últimos constituíam o quadro dos chamados
degredados. Também eram ameaçadas de prisão, e de serem conduzidas para a
cabeça da Capitania a ferros, as pessoas que num tempo determinado não
construíssem suas casas arruadas.. A instalação desses povoadores não
significava que as povoações programadas fossem definitivas. Se o meio natural,
por exemplo, fosse inadequado, as pessoas se mudavam da mesma forma como tinham
se instalado. A mudança de local para melhores condições de vida correspondia
menos à busca de atividades rentáveis, para enriquecimento, que pelo próprio
instinto de sobrevivência e auto-defesa. […]
Os movimentos
demográficos mostram como eram precárias as relações sociais. Eram fatores de
despovoamento: descoberta de ouro, recrutas, expedições de exploração e
conquista, guerras, esgotamento do solo, epidemias, falta de água, luta entre
brancos e índios e mesmo recenseamento (que era tomado como recruta) ou mudança
obrigatória de religiosos e militares. O abandono do núcleo era considerado
deserção. Os novos moradores só podiam mudar de lugar com ordem expressa das
autoridades. Podiam ser presos e a suas custas remetidos para a prisão. Com a
diminuição da população, algumas povoações regrediram. A adversidade do meio
podia provocar mudanças. Deste modo, novas povoações apareciam, enquanto as
anteriores, se não desapareceriam, permaneciam com um número diminuto de
povoadores, quase sempre miseráveis. Por isso mesmo, alguns desses núcleos
programados não se desenvolveram a contento e foram alvo de nova política de
fixação de habitantes nos finais do século XVIII. […]
Procurou-se, por
todos os meios, fazer com que os povoadores adquirissem ferramentas - em lugar
de despender o que ganhavam em aguardente (41) erigissem igreja e cobrissem
suas casas de telha em vez de palha […]. Alem da falta de ferramentas, não
havia mão-de-obra especializada […] os próprios Ouvidores e Capitães-Generais
foram os urbanistas, arquitetos e mestres de obra, e o povo, na ausência dos
oficiais mecânicos especializados, os construtores. Coube a eles a organização
espacial dos núcleos urbanos programados e a expansão da rede urbana. […] só
tardiamente puderam contar com a presença de engenheiros militares em suas
obras públicas e civis. […] Com o transcorrer do tempo, o que se fez ressaltar
foi a diferença econômica e não especificamente a social. Alguns tinham
conseguido seguir o determinado, fazendo suas casas de tijolos e cobertas de
telhas e ombreavam-se com aquelas cujos donos não tinham tido possibilidades
econômicas de cobrli-las com material mais nobre, continuando a usar a palha.
[…]
Nas povoações
planejadas, a Igreja, ao contrário do que acontecia normalmente, aparece depois
de tomadas outras iniciativas. A capela-mor era feita às custas da Fazenda
Real. Cabia ao Rei mandá-la executar como padroeiro e senhor dos dizimos. O
corpo da Igreja deixava-se para o povo construir. Davam, inicialmente, as
condições mínimas para a fundação dessas povoações, ficando "a comodidade
e aumento delas para o futuro”. A localidade era escolhida segundo determinadas
circunstâncias. O nome da povoação era dado pelas próprias autoridades, por
ordem de Sua Majestade. À mesma autoridade cabia a escolha do padroeiro da
matriz e o fornecimento da imagem desse padroeiro. Com a fundação de novas
povoações as sesmarias que se encontrassem no local perdiam a validade,
prevalecendo o bem comum contra os interesses particulares. Os sesmeiros, no
entanto, podiam recorrer à justiça para dar-lhe solução ou conseguir outra
sesmaria. [...]
O
traçado desses núcleos é caracterizado, pois, pela regularidade, ordem,
simetria, retomando as características típicas do século XVI […]. A partir da
praça central - contendo plourinho, Matriz e Casa de Câmara e Cadeia -, as
construções particulares acresciam-se, num traçado regular […].
Vale
dizer que algumas das povoações formadas espontaneamente nos séculos XVI e
XVII, e mesmo algumas deixadas pelos donatários das Capitanias, foram
retraçadas e reurbanizadas no século XVIII, dentro dessa mesma ordenação. O
traçado regular fazia parte do projeto português […], portanto uniforme para
toda a rede urbana brasileira que, então se criava.
Muitos núcleos fracassaram como fracassaram aqueles
implantados sob o sistema de capitanias hereditárias. […] nos séculos XVIII e
XIX é que o Brasil absorveu, numa proporção esmagadora, os fluxos emigratórios
da Metrópole e ilhas adjacentes. Ao iniciar-se o século XIX o Brasil teria
cerca de três milhões de habitantes, sendo um terço de escravos.
O
traçado da rede urbana previa o tipo de povoamento aglomerado ou concentrado, ao
contrário do que existia até então, disperso e disseminado. O projeto visava a
aglomeração seriada de casas, sem interposição de espaços cultivados, em que as
casas pegam-se umas com as outras. Os quintais ficavam no fundo, geralmente invisíveis
da rua. […] As casas eram erigidas de acordo com modelos pré-estabelecidos. […]
documentos determinavam o arruamento, tamanho dos quintais, o recuo da rua,
altura, largura e comprimento ·das casas, número de cômodos, de vãos e sua
disposição. Por esses mesmos documentos percebemos que os portugueses trataram
de destruir o módulo de composição formado por casas coletivas, encontradas na
maioria das aldeias jesuíticas do Brasil e Paraguai, e edificar núcleos
familiares individualizados, capazes de abrigar uma única família. Basicamente,
a política de urbanização ligava-se ã estrutura familiar, povoamento,
loteamento e solidariedade comunitária. A criação, seguida de medição e demarcação,
da nova vila tinha um cerimonial próprio com a presença de autoridades. A
planta da praça, ruas e travessas e suas medidas eram registradas no livro de
provimentos da correição. Na ocasião, escolhiam-se os arruadores, ajudantes da
corda e picadores de mato para delimitar os espaços. […]
Para
essas novas vilas eram dadas as "leis municipais, chamadas vulgarmente
posturas” que estabeleciam os direitos e deveres dos Juízes e Oficiais da
Câmara e do povo (63). Cada local devia ter, no mínimo, cinquenta vizinhos e
serem agregados em "povoações civis" tanto para o trabalho, para não
cair "na laxidão e na preguiça”, quanto para receber os benefícios espirituais.
[…]
Metade
da população constituía-se de índios, andando “todos universalmente” vestidos,
ao menos com camisas e calção. As casas já estavam “alfaiadas” como as dos
brancos. […]
Mesmo
as aldeias indígenas que foram formadas a partir dos meados do século, seguiam
os padrões estabelecidos para as outras povoações e vilas, embora mais simples,
levando-se em consideração também o sitio escolhido […].
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