"No inicio dos anos seiscentistas, o comércio de açúcar no mundo era intenso e bastante lucrativo. A Espanha, quando passou a dominar a nação portuguesa, interrompeu o comércio do açúcar brasileiro, que Portugal mantinha com a Holanda, pais inimigo dos espanhóis.
Os holandeses reagiram com fúria. Além de incentivarem o contrabando do açúcar e de outros produtos brasileiros, criaram a Companhia das Índias Ocidentais, que dentre outras atividades mercantilistas, financiou e planejou a invasão do Brasil.
Essa Companhia, formada por grandes comerciantes de açúcar e pela elite de Amsterdã, não era apenas uma empresa comercial, tinha também caráter militar e estava autorizada a promover até guerras para defender seus interesses. Um deles, talvez o principal, era restabelecer o lucrativo comércio do açúcar brasileiro, que era cobiçado por poderosas nações do século XVII.
A Bahia, por ser uma rica região açucareira e centro político da maior colônia portuguesa da época, foi o alvo prioritário dos flamengos, que na terceira década dos anos seiscentistas, invadiram a cidade de Salvador, a metrópole brasileira da época. Paralelamente aos acontecimentos na colônia invadida, os portugueses estavam se engalfinhando com os espanhóis e em sérias dificuldades financeiras. A saída era explorar ao máximo suas colônias, retirando delas tudo o que pudesse ser transformado em riqueza.
A Inglaterra e a França, outras grandes potências da época, também procuravam usurpar o ouro e a prata das colônias alheias. O Brasil era uma das principais colônias daquela época e uma das mais generosas fontes dessas riquezas. O colonizado, por sua vez, não possuía formação intelectual suficiente para entender o que estavam fazendo com ele e com sua terra, até surgirem os mazombos.
Nas décadas que se sucederam ao descobrimento do Brasil, pouquíssimos dos que se aventuravam rumo à “terra de Santa Cruz” tinham a verdadeira intenção de colonizá-la. Usurpar suas riquezas era a regra geral, e as principais vítimas da ganância dos colonizadores eram os autóctones incautos, como os aborígines, mamelucos e mulatos nascidos na colônia, simplesmente por total ignorância do que possuíam e do que queriam. Eles não sabiam querer.
Por outro lado, alguns poucos lusitanos traziam suas famílias. Outros se vinham degredados, depois que se estruturavam na nova terra mandavam buscar suas mulheres. Esses poucos casais de verdadeiros colonizadores tiveram filhos na colônia, seres “diferentes” do que se via normalmente numa terra repleta de mestiços, negros e índios.
Surgia assim uma nova raça de brancos que, por não ser europeu nem mestiço muito menos índio ou negro, era ”estranho”. Possivelmente foram os primeiros brancos nascidos no Brasil.
Chamados de mazombos, por seu constante mau humor, pertenciam a uma categoria social que não queriam. Por ser filho de reinol, 0 mazombo não vacilava em reivindicar o nascimento no Reino. Fazia viagens a Portugal com o único objetivo de apagar o apelido, uma vez que esse era o recurso aceito como legitimo para tornar sem efeito a desagradável circunstância de haver nascido na colônia.
O português que embarcava para o Novo Mundo não trazia o propósito de fundar uma nova religião e uma nova pátria, como traziam os puritanos da Nova Inglaterra, colonizadores dos Estados Unidos da América. A maioria embarcava para o Brasil com a intenção única de enriquecer depressa e voltar mais depressa ainda. Se não vinham obrigados pelo degredo, eles vinham sem a mulher e sem
os filhos, em busca de riquezas e de aventuras.
Durante os primeiros trinta anos do descobrimento, a terra de Santa Cruz só atraiu fidalgos e fidalgotes arruinados ou então aventureiros, desertores e judeus fugidos do Tribunal do Santo Oficio. Aquele que trazia consigo as tradições europeias para depois absorver uma experiência sulamericana capaz de reduzirlhe o desejo ancestral de retorno definitivo a Europa, esse já era brasileiro. Com milhares de ”cristão-novos” ocorria esse fenômeno. Havia, porém, outros que nada ficavam a dever em importância, pois era a nacionalização de alta seleção, que se operava longe do Brasil entre aqueles que por ironia do destino mais desejavam assimilar a nacionalidade lusitana: eram os mazombos. lam adolescentes estudar em Coimbra para serem portugueses, mas quando se davam conta, já não queriam ser portugueses, já eram brasileiros. Em Portugal eles descobriam o Brasil."
Os mazombos e o Pai Sumé do Peabiru (Prólogo, p. 9-10).
Casa da Qualidade Editorial LTDA, Salvador, 2013.
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