A PRAÇA DA LIBERDADE, coroa de Minas, estava posta em sossego. E era um sossego cheio de graça.
No fundo, o Palácio da Liberdade vigiava. Mesmo sendo apenas um nome, a divina Liberdade encantava a Praça.
Vinha o passado e sentava-se num banco, tomando a fresca ou tomando luar. Vinha o presente, ajeitava-se ao lado dele. Os dois puxavam uma dessas infindáveis conversas mineiras, saborosas e lerdas. As palmeiras ouviam. Os fícus ouviam. E calavam, num calar mineiro.
Mas o progresso exige fontes luminosas musicais.
Na Praça da Liberdade muita coisa aconteceu. Muito amor nasceu e viçou. Na alameda elegante, moças desfilavam perante rapazes, às quintas e domingos. Ah, como pisavam de leve na areia, com força em nossos corações!
Mesmo sem ser para namoro ou casamento, a Praça era a Praça, e convidava. Que quantidade de silêncio, nas horas imensas! A noite, nem te conto. Folhas e flores e olores e langores: entrelaçados.
Mario de Andrade passou por ali e sentiu a “jovialidade infantil do friozinho”, em poema célebre. Pedro Nava cantou o jardim cheio de rosas, na tarde burocrática. Poetas poetijardinavam, superlíricos, na Praça oferecida ao verso.
Mas o progresso exige fontes luminosas musicais.
Secretarias de Estado, em redor, tentavam dar à Praça um ar de protocolo-geral. A Praça reagia, com seu verde-que-te-quero-verde. Só admitia despachar com os pássaros, indeferindo os barulhentos, arquivando os desafinados.
Carros deslizavam, levando e trazendo senadores da velha guarda, marechais da política nacional, estrangeiros conspícuos. O Rei e a Rainha da Bélgica passaram por lá, em carruagem dourada pela imaginação do povo. O Príncipe de Gales lançou-lhe um olhar enevoado de uísque, com fagulhas de futura paixão pela futura Duquesa de Windsor. A Praça distribuía a todos o mesmo sorriso, sem distinção de classe ou casta.
Vinha dos municípios a onda de requisições de delegado de polícia para bater, e de queixas dos que eram batidos pelo delegado. Prefeitos de muita ronha, juízes mal pagos, professoras jamais pagas, boiadeiros hipotecados, loucos e hippies, todos afluíam à Praça, que a todos acolhia com sombra e doçura, sem ligar ao Palácio.
Diretamente embaixo do sol e das estrelas privativas do céu de Minas, reinando sobre a cidade povoada de edifícios grandiosos, a Praça não tinha farolagens de grandeza. Era simplesmente a Praça, dama de bom-parecer e império suave.
Mas o progresso exige fontes luminosas musicais.
Então, o Prefeito considerou as árvores e mandou botá-las abaixo, porque árvores atrapalham o moderno urbanismo.
Mandou abrir pistas que deixem passar maior número de veículos em maior velocidade, porque a cidade passou a existir para a máquina, e o amigo da natureza que se enforque no último galho ao vento.
Mandou projetar passagens subterrâneas, para que da Praça se descortine apenas o sombrio intestino, devidamente azulejado em forma de túnel.
Porque o progresso exige fontes luminosas musicais.
E mandou aprestar miríficas fontes, bastante luminosas e bastante musicais, que são o sonho de todo prefeito, nas montanhas mineiras, nas coxilhas do Rio Grande, nos igarapés da Amazônia, nos algodoais do Camboja ou nas cumeadas do Tibete.
Adeus, singelo espelho d'água da Praça, adeus, coreto histórico/sentimental dos seresteiros e das charangas caprichadas. Dai o fora, que aí vêm roncando escavadeiras e tratores, e surgem novas pistas e aperfeiçoamentos mil, que nem as velhas árvores respeitam, quanto mais esse laguinho e essa saudade da valsa de Ouro Preto.
Chegada é a hora de rezarmos, ó mineiros, por alma da que foi a Praça da Liberdade, em sua forma e em seu caráter. Pois passou o tempo das praças, e chegou o tempo dos shows mirabolantes, junto a auto-estradas delirantes.
E o progresso, ou o que quer que seja, exige cada vez mais fontes, fontes bem luminosas na escuridão, e bem musicais em meio à cacofonia geral.
Carlos Drummond de Andrade, 1974.
Alguns registros da nossa visita em 2015. A primeira impressão foi maravilhosa!
Praça linda, muito arborizada, com cheiro e sombra do verde exuberante. Belas flores, animais!
Pessoas liam, descansavam ouvindo música, passeavam, namoravam.
Crianças brincavam. Escolares estudavam.
E ao redor, tantos museus, uma bela biblioteca
e espaços culturais com exposições e atividades excelentes.
Foi muuuito bom!
Ao retornar em 2018, uma intensa poda fazia a praça parecer nua. Não estava tão bela.
Nos museus e centros culturais um certo ar de decadência. Era difícil acreditar.
Duas experiências tão adversas no mesmo lugar.
Torço pra que logo passe essa fase triste para a sociedade brasileira.
Desde o início da segunda década deste século,
a valorização das artes, da cultura, da leitura, dos museus, bibliotecas e arquivos foi perdendo espaço.
Tantos crimes tem sido cometidos contra a história e arte brasileira
impressas em suas paisagens, praças, arquitetura, acervos.
Torço pelo retorno a valorização da arte, cultura, acervos, paisagens históricas,
como vimos se intensificar na virada do século, mas que infelizmente está se perdendo.
Carlos Drummond de Andrade, 1974.
Praça linda, muito arborizada, com cheiro e sombra do verde exuberante. Belas flores, animais!
Pessoas liam, descansavam ouvindo música, passeavam, namoravam.
Crianças brincavam. Escolares estudavam.
E ao redor, tantos museus, uma bela biblioteca
e espaços culturais com exposições e atividades excelentes.
Foi muuuito bom!
Ao retornar em 2018, uma intensa poda fazia a praça parecer nua. Não estava tão bela.
Nos museus e centros culturais um certo ar de decadência. Era difícil acreditar.
Duas experiências tão adversas no mesmo lugar.
Torço pra que logo passe essa fase triste para a sociedade brasileira.
Desde o início da segunda década deste século,
a valorização das artes, da cultura, da leitura, dos museus, bibliotecas e arquivos foi perdendo espaço.
Tantos crimes tem sido cometidos contra a história e arte brasileira
impressas em suas paisagens, praças, arquitetura, acervos.
Torço pelo retorno a valorização da arte, cultura, acervos, paisagens históricas,
como vimos se intensificar na virada do século, mas que infelizmente está se perdendo.
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