quinta-feira, 15 de julho de 2021

Casimiro de Abreu, Minh'alma é triste

 Minh'alma é triste como a rola aflita

Que o bosque acorda desde o alvor da aurora,

E em doce arrulo que o soluço imita

O morto esposo gemedora chora.


E, como a rôla que perdeu o esposo,

Minh'alma chora as ilusões perdidas,

E no seu livro de fanado gozo

Relê as folhas que já foram lidas.


E como notas de chorosa endeixa

Seu pobre canto com a dor desmaia,

E seus gemidos são iguais à queixa

Que a vaga solta quando beija a praia.


Como a criança que banhada em prantos

Procura o brinco que levou-lhe o rio,

Minh'alma quer ressuscitar nos cantos

Um só dos lírios que murchou o estio.


Dizem que há, gozos nas mundanas galas,

Mas eu não sei em que o prazer consiste.

— Ou só no campo, ou no rumor das salas,

Não sei porque — mas a minh'alma é triste!


II


Minh'alma é triste como a voz do sino

Carpindo o morto sobre a laje fria;

E doce e grave qual no templo um hino,

Ou como a prece ao desmaiar do dia.


Se passa um bote com as velas soltas,

Minh'alna o segue namplidão dos mares;

E longas horas acompanha as voltas

Das andorinhas recortando os ares.


Às vezes, louca, num cismar perdida,

Minh'alma triste vai vagando à toa,

Bem como a folha que do sul batida

Bóia nas águas de gentil lagoa!


E como a rola que em sentida queixa

O bosque acorda desde o albor da aurora,

Minh'alma em notas de chorosa endeixa

Lamenta os sonhos que já tive outrora.


Dizem que há gozos no correr dos anos!...

Só eu não sei em que o prazer consiste.

— Pobre ludíbrio de cruéis enganos,

Perdi os risos — a minh'alma é triste!


III


Minh'alma é triste como a flor que morre

Pendida à beira do riacho ingrato;

Nem beijos dá-lhe a viração que corre,

Nem doce canto o sabiá do mato!


E como a flor que solitária pende

Sem ter carícias no voar da brisa,

Minh'alma murcha, mas ninguém entende

Que a pobrezinha só de amor precisa!


Amei outrora com amor bem santo

Os negros olhos de gentil donzela,

Mas dessa fronte de sublime encanto

Outro tirou a virginal capela.


Oh! quantas vezes a prendi nos braços!

Que o diga e fale o laranjal florido!

Se mão de ferro espedaçou dois laços

Ambos choramos mas num só gemido!


Dizem que há gozos no viver damores,

Só eu não sei em que o prazer consiste!

— Eu vejo o mundo na estação das flores

Tudo sorri — mas a minh'alma é triste!


IV


Minh'alma é triste como o grito agudo

Das arapongas no sertão deserto;

E como o nauta sobre o mar sanhudo,

Longe da praia que julgou tão perto!


A mocidade no sonhar florida

Em mim foi beijo de lasciva virgem:

— Pulava o sangue e me fervia a vida,

Ardendo a fronte em bacanal vertigem.


De tanto fogo tinha a mente cheia!...

No afã da glória me atirei com ânsia...

E, perto ou longe, quis beijar a sereia

Que em doce canto me atraiu na infância.


Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!

Esperanças altas... Ei-las já tão rasas!...

— Pombo selvagem, quis voar contente...

Feriu-me a bala no bater das asas!


Dizem que há gozos no correr da vida...

Só eu não sei em que o prazer consiste!

— No amor, na glória, na mundana lida,

Foram-se as flores — a minh'alma é triste!


Março 12. - 1858

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