quinta-feira, 15 de julho de 2021

Casimiro de Abreu

CANÇÃO DE EXÍLIO


Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! não seja já;

Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,

Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro

Respirando este ar;

Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo

Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas

Do que a pátria, não tem;

E este mundo não vale um só dos beijos

Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava

Lá na quadra infantil;

Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,

O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! não seja já!

Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,

Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra

Tão lindo e tão azul!

E a nuvem cor de rosa que passava

Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,

As folhas por dossel;

E ver se apanho a borboleta branca,

Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho

Das tardes ao cair,

E sozinho cismando no crepúsculo

Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! não seja já;

Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,

A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes

Dum clima tropical,

E sentir, expirando, as harmonias

Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras

Banhada do luar,

E eu contente dormirei tranqüilo

À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas

Porque cedo morri,

E eu sonho no sepulcro os meus amores

Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! não seja já

Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,

Cantar o sabiá!


Lisboa — 1857

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