quinta-feira, 15 de julho de 2021

Casimiro de Abreu, A Primavera

  I


A primavera é a estação dos risos,

Deus fita o mundo com celeste afago,

Tremem as folhas e palpita o lago

Da brisa louca aos amorosos frisos.


Na primavera tudo é viço e gala,

Trinam as aves a canção de amores,

E doce e bela no tapiz das flores

Melhor perfume a violeta exala.


Na primavera tudo é riso e festa,

Brotam aromas do vergel florido,

E o ramo verde de manhã colhido

Enfeita a fronte da aldeã modesta.


A natureza se desperta rindo,

Um hino imenso a criação modula,

Canta a calhandra, a juriti arrula,

O mar é calmo porque o céu é lindo.


Alegre e verde se balança o galho,

Suspira a fonte na linguagem meiga,

Murmura a brisa: - Como é linda a veiga!

Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!


                              II


Mas como às vezes sobre o céu sereno

Corre uma nuvem que a tormenta guia,

Também a lira alguma vez sombria

Solta gemendo de amargura um treno.


São flores murchas; - o jasmim fenece,

Mas bafejado s’erguerá de novo

Bem como o galho do gentil renovo

Durante a noite, quando o orvalho desce.


Se um canto amargo de ironia cheio

Treme nos lábios do cantor mancebo,

Em breve a virgem do seu casto enlevo

Dá-lhe um sorriso e lhe intumesce o seio.


Na primavera - na manhã da vida -

Deus às tristezas o sorriso enlaça,

E a tempestade se dissipa e passa

À voz mimosa da mulher querida.


Na mocidade, na estação fogosa,

Ama-se a vida, a mocidade é crença,

E a alma virgem nesta festa imensa

Canta, palpita, s’extasia e goza.


1º de julho de 1858.

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