quinta-feira, 15 de julho de 2021

Casimiro de Abreu, Amor e Medo

  I


Quando eu te fujo e me desvio cauto

Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,

Contigo dizes, suspirando amores:

“Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”


Como te enganas! meu amor é chama

Que se alimenta no voraz segredo,

E se te fujo é que te adoro louco...

És bela eu moço; tens amor eu medo!...


Tenho medo de mim, de ti, de tudo,

Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,

Das folhas secas, do chorar das fontes,

Das horas longas a correr velozes.


O véu da noite me atormenta em dores,

A luz da aurora me intumesce os seios,

E ao vento fresco do cair das tardes

Eu me estremeço de cruéis receios.


É que esse vento que na várzea ao longe,

Do colmo o fumo caprichoso ondeia,

Soprando um dia tornaria incêndio

A chama viva que teu riso ateia!


Ai! se abrasado crepitasse o cedro,

Cedendo ao raio que a tormenta envia,

Diz: que seria da plantinha humilde

Que à sombra dele tão feliz crescia?


A labareda que se enrosca ao tronco

Torrara a planta qual queimara o galho,

E a pobre nunca reviver pudera,

Chovesse embora paternal orvalho!


                              II


Ai! se eu te visse no calor da sesta,

A mão tremente no calor das tuas,

Amarrotado o teu vestido branco,

Soltos cabelos nas espáduas nuas!...


Ai! se eu te visse, Madalena pura,

Sobre o veludo reclinada a meio,

Olhos cerrados na volúpia doce,

Os braços frouxos, palpitante o seio!...


Ai! se eu te visse em languidez sublime,

Na face as rosas virginais do pejo,

Trêmula a fala a protestar baixinho...

Vermelha a boca, soluçando um beijo!...


Diz: que seria da pureza d’anjo,

Das vestes alvas, do cantor das asas?

Tu te queimaras, a pisar descalça,

Criança louca, sobre um chão de brasas!


No fogo vivo eu me abrasara inteiro!

Ébrio e sedento na fugaz vertigem.

Vil, machucara com meu dedo impuro

As pobres flores da grinalda virgem!


Vampiro infame, eu sorveria em beijos

Toda a inocência que teu lábio encerra,

E tu serias no lascivo abraço

Anjo enlodado nos pauis da terra.


Depois... desperta no febril delírio,

Olhos pisados como um vão lamento,

Tu perguntaras: qu’é da minha c’roa?...

Eu te diria: desfolhou - a o vento!...


                    ________


Oh! não me chames coração de gelo!

Bem vês: traí - me no fatal segredo.

Se de ti fujo é que te adoro e muito,

És bela eu moço; tens amor, eu medo!...


                                                                     Outubro, 1858.

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