quarta-feira, 10 de julho de 2019

Mutirões desde o período colonial

Trabalhos de índole coletiva espontaneamente aceitos podiam ocorrer nos casos onde fossem de molde a satisfazer certos sentimentos e emoções coletivos, como sucede com os misteres relacionados de algum modo ao culto religioso. Casos, por exemplo, como o da construção da velha matriz de Iguape, em fins do século XVII, em que colaboraram os homens notáveis e o povo da vila, carregando pedras desde a praia até ao lugar onde ficava a obra, ou o da velha matriz de Itu, erigida em 1679 com auxílio dos moradores, que de longa distância levavam à cabeça, em romaria, a terra de pedregulhos com que foram pilados os muros. [...]

Outros costumes, como o do muxirão ou mutirão, em que os roceiros se socorrem uns aos outros nas derrubadas de mato, nos plantios, nas colheitas, na construção de casas, na fiação do algodão, teriam sido tomados de preferência ao gentio da terra e fundam-se, ao que parece, na expectativa de auxílio recíproco, tanto quanto na excitação proporcionada pelas ceias, as danças, os descantes e os desafios que acompanham obrigatoriamente tais serviços. Se os homens se ajudam uns aos outros, notou um observador setecentista, fazem-no “mais animados do espírito da caninha do que do amor ao trabalho”.

 Sérgio Buarque de Holanda, "Raízes do brasil" (1936).
Da edição Companhia das Letras (1995: 59-60)

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