quarta-feira, 10 de julho de 2019

Um bocado de África em nossas raízes culturais

À influência dos negros, não apenas como negros, mas ainda, e sobretudo, como escravos, essa população não tinha como oferecer obstáculos sérios. Uma suavidade dengosa e açucarada invade, desde cedo, todas as esferas da vida colonial. Nos próprios domínios da arte e da literatura ela encontra meios de exprimir-se, principalmente a partir do Setecentos e do rococó. O gosto do exótico, da sensualidade brejeira, do chichisbeísmo, dos caprichos sentimentais, parece fornecer-lhe um providencial terreno de eleição, e permite que, atravessando o oceano, vá exibir-se em Lisboa, com os lundus e modinhas do mulato Caldas Barbosa:

Nós lá no Brasil
A nossa ternura
A açúcar nos sabe,
Tem muita doçura.
Oh! se tem! tem.
             Tem um mel mui saboroso
             É bem bom, é bem gostoso.
             ............................................
Ah nhanhã, venha escutar
Amor puro e verdadeiro,
Com preguiçosa doçura,
Que é Amor de Brasileiro.

Sinuosa até na violência, negadora de virtudes sociais, contemporizadora e narcotizante de qualquer energia realmente produtiva, a “moral das senzalas” veio a imperar na administração, na economia e nas crenças religiosas dos homens do tempo.

Sérgio Buarque de Holanda, "Raízes do brasil" (1936).
Da edição Companhia das Letras (1995: 61-62)



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