sexta-feira, 16 de julho de 2021

Fagundes Varela, Cântico do Calvário (dedicado ao filho, que morreu com apenas 3 meses)

 À MEMÓRIA DE MEU FILHO

Morto a 11 de dezembro de 1863


Eras na vida a pomba predileta

Que sobre um mar de angústias conduzia

O ramo da esperança. — Eras a estrela

Que entre as névoas do inverno cintilava

Apontando o caminho ao pegureiro.

Eras a messe de um dourado estio.

Eras o idílio de um amor sublime.

Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,

O povir de teu pai! — Ah! no entanto,

Pomba, — varou-te a flecha do destino!

Astro, — engoliu-te o temporal do norte!

Teto, — caíste! — Crença, já não vives!


Correi, correi, ó lágrimas saudosas,

Legado acerbo da ventura extinta,

Dúbios archotes que a tremer clareiam

A lousa fria de um sonhar que é morto!

Correi! Um dia vos verei mais belas

Que os diamantes de Ofir e de Golgonda

Fulgurar na coroa de martírios

Que me circunda a fronte cismadora!

São mortos para mim da noite os fachos,

Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,

E à vossa luz caminharei nos ermos!

Estrelas do sofrer, — gotas de mágoa,

Brando orvalho do céu! — Sede benditas!

Ó filho de minh'alma! Última rosa

Que neste solo ingrato vicejava!

Minha esperança amargamente doce!

Quando as garças vierem do ocidente,

Buscando um novo clima onde pousarem,

Não mais te embalarei sobre os joelhos,

Nem de teus olhos no cerúleo brilho

Acharei um consolo a meus tormentos!

Não mais invocarei a musa errante


(...)


Ouço o tanger monótono dos sinos,

E cada vibração contar parece

As ilusões que murcham-se contigo!

Escuto em meio de confusas vozes,

Cheias de frases pueris, estultas,

O linho mortuário que retalham

Para envolver teu corpo! Vejo esparsas

Saudades e perpétuas, — sinto o aroma

Do incenso das igrejas, — ouço os cantos

Dos ministros de Deus que mem repetem

Que não és mais da terra!... E choro embalde!...


Mas não! Tu dormes no infinito seio

Do Criador dos seres! Tu me falas

Na voz dos ventos, no chorar das aves

Talvez das ondas no respiro flébil!

Tu me contemplas lá do céu, quem sabe,

No vulto solitário de uma estrela.

E são teus raios que meu estro aquecem!

Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!

Brilha e fulgura no azulado manto,

Mas não te arrojes, lágrima da noite

Nas ondas nebulosas do ocidente!

Brilha e fulgura! Quando a morte fria

Sobre mim sacudir o pó das asas,

Escada de Jacó serão teus raios

Por onde asinha subirá minh'alma.


Publicado no livro Cantos e fantasias: poesias (1865).

In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Introd. Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1959. v.2, p.135-13

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