terça-feira, 20 de julho de 2021

Outra do analista de Bagé

 O analista de Bagé se declara "freudiano de colá decalco" e "mais

ortodoxo que Caximir Buquê", mas isto não o impede de experimentar com

novas formas de terapia. Como no caso da mulher do compadre Salustiano.

     Contam que um dia o compadre Salustiano entrou no consultório,

segundo o analista de Bagé, como mata-mosquito em convento. Causando

alvoroço. eles há tempo não se viam.

     - Guasca velho!

     - Cachorrão!

     - Índio bem loco!

     - Seu bosta!

     - Animal!

     - Desgraçado!

     E se atiraram um nos braços do outro, com tanta força que a

Lindaura veio ver se não tinha móvel quebrado. Depois o analista de

Bagé mandou o amigo se deitar no divã e desembuchar, que era de graça.

O Salustiano reagiu.

     - Epa. Tá me estranhando, compadre? O problema é com a Rosa Flor.

     - O que tem?

     - A Rosa Flor quer ir pro Rio.

     - Ir embora do Rio Grande? Mas enloqueceu.

     - Pos é. Diz que não agüenta mais vê campo. Quer ver o mar.

     - Mas ela não sabe que mar é igual a campo, com a desvantagem que

afunda?

     - Sabe, mas não adianta. Aquela, quando decide ir pra um lugar, é

como cachorro de cego, só matando.

     - Escuta aqui, tchê. Tu desse um trancaço nela?

     - Dei trancaço, dei laço, cheguei até a pedi. Foi como mijá em

incêndio.

     - Côsa, seu. Tu sabe que mulher que vai pro Rio, já desce na

rodoviária falada.

     - E não sei?

     - Me manda ela aqui.

     A Rosa Flor, a princípio, não quis dizer nada. Ia para o Rio e

pronto. O analista de Bagé abriu um volume do Freud para consulta. Era

ali que guardava, numa folha de caderno de armazém, escritas a toco, as

máximas do velho Adão, seu pai. Encontrou um precedente: "Pra amarrar

cavalo no campo e mulher em casa, só carece de um pau firme.". Deitada

no pelego a Rosa Flor confirmou com a cabeça quando o analista

perguntou, sutilmente, se o compadre não passava mais a lingüiça na

farinheira. Era verdade.

     O analista botou uma mão na cabeça. Aquilo era a pior coisa que

pode acontecer com um gaúcho, fora cair do cavalo ou a filha casar com

nordestino. Com a outra mão, começou a desabotoar a braguilha. Fazia

qualquer coisa por um amigo.

     Ficou combinado que a Rosa Flor teria sessões duas vezes por

semana e desistiria daquela história de ir para o Rio. O compadre

Salustiano podia ficar descansado. A honra da Rosa Flor estava salva. 


VERÍSSIMO, Luis Fernando. Outras do analista de Bagé. Porto Alegre: L&PM, 1982, p. 7-8.

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